O sonho e a ousadia

Exatos 40 anos separam a vitória de Robinson Faria do sonho do seu pai de ser governador do Rio Grande do Norte. Foi em 1974 que o então empresário Osmundo Faria saiu de Natal para Brasília, informando à família que seria nomeado para o cargo.
O Brasil era comandado pelo general Ernesto Geisel, a quem cabia a nomeação dos governadores. O pai de Robinson era presidente do Bandern e suplente do senador Dinarte Mariz, líder da Arena, que defendia o nome do mossoroense Dix-Huit Rosado.
A indicação de Osmundo para suceder o governador Cortez Pereira fora feita pelo ministro do Exército e seu amigo general Dale Coutinho, que lhe mandou fazer as malas e ir para Brasília, após o porta-voz do Planalto, Petrônio Portela, oficializar o fato.
Na primeira noite no tradicional Hotel Nacional, o empresário dormiu governador, provavelmente sonhando literalmente com a nomeação. Acordou com a notícia da morte do padrinho general e viu a indicação tomar novos rumos na mesa do presidente Geisel.
Ainda no velório de Coutinho, o senador Portela foi procurado pelo também general Golbery do Couto e Silva, aquele que ficaria marcado como o mentor ideológico da redemocratização. Golbery colocou um papelzinho no bolso do paletó do porta-voz.
Lá, no pedaço de papel, estava escrito o nome de Tarcísio Maia, naquele momento histórico residindo no Rio de Janeiro e sem planos políticos a curto prazo. Tarcísio e Golbery eram amigos e tinham encontros fortuitos, por motivos estritamente civis.
O trem da História correu e Osmundo saiu dos trilhos perdendo o vagão do RN para Tarcísio, que iniciou o domínio oligárquico emplacando o primo Lavoisier Maia em seu lugar, que por sua vez nomeou o filho de Tarcísio, José Agripino, prefeito de Natal.
O jovem engenheiro Agripino deixou umas obras que tocava no meio do Maranhão, assumiu a capital potiguar e fez um grande governo, inovador e marcante, se cadastrando para disputar as primeiras eleições diretas para governador, em 1982.
Robinson Faria era um garoto de 23 anos e viu a épica vitória do prefeito contra o mito Aluízio Alves, que retomava os direitos políticos cassados pelo regime militar. Desde a eleição proporcional de 1978, ele já acompanhava as disputas políticas no Estado.
Na eleição seguinte, em 1986, guiado pela visão empreendedora do pai, Robinson estreou como candidato a deputado estadual e venceu. Quatro anos adiante, se reelegeu e um ano depois, 1991, sofreu o duro golpe da morte prematura de Osmundo Faria.
Nos seus dias de luto, muitos foram os palpites de que sua carreira política se enterrara junto com o corpo do pai; mas o que se viu foi sua habilidade e sua ousadia ocuparem espaço, fazendo dele um constante campeão de votos na Assembleia Legislativa.
Na condução do legislativo, mostrou uma liderança além dos palanques e abriu a casa à sociedade, modernizando-a material e institucionalmente. Nas urnas, os correligionários do Agreste consagraram sua influência nas vitórias aos governos de Wilma e de Rosalba.
Eleito vice-governador em 2010, rompeu com a governadora Rosalba nos primeiros meses de gestão e saiu perambulando pelo estado com uma solitária bandeira de oposição e no contrafluxo da onda de adesão ao governo engendrada pelo PMDB e PR.
Consciente da condição de coxo, praticamente isolado, comandando um pequeno e recém-fundado partido, o PSD, que mais parecia um exército brancaleônico, Robinson agarrou-se ao sonho de um dia governar o estado e partiu cedo para tentar realizá-lo.
O sonho parecia a colcha de Penélope, costurado a cada dia em pedacinhos renovando as forças diante do impossível, mas um impossível vestido de esperança que não cansa de esperar. Não era fácil o caminho a trilhar, não faltaram desilusões no seu caminhar.
No ano passado, vendo de perto a trajetória e a luta de Robinson, me remeti algumas vezes a um poema de Alex Polari, ex-militante da esquerda dos anos 60: “Mesmo com tanta ilusão perdida, quebrada, mesmo com tanto caco de sonho, onde até hoje a gente se corta”.
Ele tinha a exata noção das dificuldades, mas não perdia um milímetro do volume de ousadia fervendo no sangue, movida por seu sonho, aquele sonho quebrado em 1974 diante do pai. E muitas vezes, lembrava do estímulo de Osmundo no começo da carreira.
Atravessou 2013 levantando a poeira de alguns tropeços, lambendo as feridas das traições improváveis e apanhando os cacos do sonho para remendá-lo com os fios da sua ousadia. E foi seguindo em frente, devagar, na esperança que não cansa de esperar.
Ouviu todos os conselhos de desistência, rebateu as propostas de recuo, refutou os convites de coadjuvante no teatro eleitoral, tendo que enfrentar pré-candidatos invisíveis e invencíveis, cada um desenhado estrategicamente no quadro político dos líderes.
Robinson optou pela plateia em detrimento aos protagonistas e saiu pelas cidades costurando seu sonho e fazendo dele um sentimento coletivo. Até ver-se diante de um poder de dezessete partidos, sete ex-governadores, dezenas de deputados e prefeitos.
Tinha apenas um sonho e um discurso como arma de combate. E o discurso era bater no que chamou de “acordão”, a monstruosa aliança liderada pelo deputado federal Henrique Alves (PMDB), hoje o mais hábil e experiente líder político da velha guarda.
Com o pequeno PSD, fortalecido no estado pela bravura dos deputados Fábio Faria, seu filho, e José Dias, seu dileto amigo, além das novas lideranças municipais representadas por Galeno Torquato, Silveira Junior e Disson Lisboa, Robinson partiu para a batalha.
As remotas chances sugeriam a poesia de Chico Buarque em sua versão quixotesca: “vencer o inimigo invencível, negar quando a regra é vender”. E o discurso contra o “acordão” soou bonito aos ouvidos do PT de Fátima Bezerra e de Fernando Mineiro.
Não foi fácil, mas os dois líderes estaduais petistas conseguiram tanger o partido para o sonho de Robinson, àquela altura não mais um sonho solitário e sim uma realidade coletiva palpável e possível, energizada na força inabalável da família e dos amigos.
Robinson Faria enfrentou agruras que somente ele um dia poderá torná-las públicas, sofreu no corpo e na alma as consequências da ousadia de tentar realizar seu sonho de servir ao seu estado no mais alto cargo político-administrativo que quase foi do seu pai.
Afora ele, apenas Julianne Faria, a dedicada esposa e companheira, que se fez valente e gigantesca num perfil até então discreto e meigo, sabe tanto o preço emocional da vitória histórica do domingo, 26 de outubro de 2014. Uma vitória maiúscula, diga-se.
Julianne foi a força extra quando ele sozinho parecia não poder mais avançar sobre obstáculos quase intransponíveis, aqueles que nos sugam a energia vital. E dela ele renovava seu sonho e saía a juntar os pedaços na jornada, sempre crendo na sua fé.
O grande poeta do povo alemão, Goethe, disse que “quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma, todo o universo conspira a seu favor”. Robinson sempre acreditou em algo semelhante a isso.
Ousado, ele soube fazer a leitura do universo silencioso do eleitorado potiguar rejeitando a grande aliança das forças políticas tradicionais. E foi à luta. Quem poderia acreditar na derrota de Henrique? Ele, Robinson Faria, o governador do Rio Grande do Norte. (AM)
Fonte: Blog de Alex Medeiros 

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